sábado, 22 de abril de 2017

Dos raros textos do Novo Testamento até a ampla mariologia

Dom Karl Josef Romer

Dom Karl Josef Romer

Causa justa admiração que os poucos textos do NT façam surgir uma volumosa mariologia. Marcus, por exemplo, cita só uma única vez o nome de Maria (6,3). Só uma única carta de São Paulo (Gl 4,4) menciona, sem dizer o nome, “a mulher da qual nasceu o Verbo de Deus. No entanto, os raros textos marianos são de singular densidade e ligados ao mistério da Encarnação. Sabemos que já antes da compilação completa do NT surgiam necessidades de se defender aspectos essenciais da cristologia. A explicitação da mariologia está diretamente ligada ao dever de se defender Jesus.

Duas heresias de perigosa penetração em significativas partes da Igreja nascente exigem todo rigor dos pastores e dos padres. Eis o problema: o acelerado processo de conversões de judeus e de pagãos. Embora convertidos, judeu-cristãos tentavam interpretar o Cristo dentro de suas antigas categorias. Admitiram a sublime dignidade do homem Jesus. Mas para não aceitar sua divindade, postularam uma adoção por parte de Deus. Jesus, filho de José e de Maria, é agora filho adotivo de Deus. Negando sua divindade, não há necessidade de se falar em virgindade de sua mãe.

De outro lado, pagãos de cultura grega tentavam reduzir a mensagem cristã às especulativas, mas deletérias categorias da filosofia da Gnose: o dualismo. O espírito é bom; a matéria e má, feita por um demiurgo diabólico. Jesus, filho de Deus jamais pode ter um corpo. Seu corpo é somente aparente (docetismo). Maria não tem ligação corporal material com Jesus. A luz celeste passou por ela como água passa por um tubo, por um canal, sem receber nada da matéria do canal. Maria, portanto, não é mãe de Jesus. Por Jesus ser filho de Deus, ela pode ser virgem. Márquion, filho do bispo de Slínope, excluído da Igreja pelo pai, é talvez o gnóstico mais ilustre e mais perigoso. Ele aceita só o Evangelho de Lucas, mas purificando-o com a eliminação dos capítulos sobre a infância e a maternidade.

Contra tais desvios doutrinários levantam-se os eminentes mártires e padres da primeira Igreja: (Inácio de Antioquia (+ 112), Policarpo de Esmirna (+ 156), Irineu (+ 202). Para eles é claro que o mistério divino e humano de Jesus dá a verdadeira relevância a Maria; Em Cristo ela tem sua verdadeira identidade; e sua real identidade, afirmada pela Bíblia, ilustra e exalta a identidade de Jesus. Maria é mãe: isto afirma que o Filho de Deus tornou-se realmente homem. A virgindade, tão solenemente afirmada em Lucas e Mateus, ilustra que Jesus tem Deus como único Pai, e que Maria não concebeu de nenhum homem. Sua maternidade acentua que Deus se fez homem. E sua virgindade torna-se evidente sinal da eterna preexistência divina de Jesus com Verbo de Deus. Maria não é uma santa a mais; mas nela está intimamente inscrita a história salvífica realizada em Jesus.

Por mais que Francisco tenha enriquecido o povo de Deus, a Igreja poderia ser Igreja sem Francisco. Mas sem Maria ela não é. O grande Santo Boaventura diz as duas coisas:

“Maria está infinitamente abaixo de Jesus”. E ele completa: “Se tu tiras do mundo a mãe de Deus, tiras igualmente o Verbo feito homem”.

 

* Bispo emérito da Arquidiocese de são Sebastião do Rio de Janeiro



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