Jesus aparece aos Apóstolos
Jo 20,19-31
Meus caros irmãos e irmãs,
Nestes dias a Igreja canta sua fé e a sua alegria
pascal, porque celebramos a Ressurreição do Cristo Senhor. Ressoa ainda em
nossos ouvidos o Salmo: “Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e
nele exultemos” (Sl 117,24). Cada domingo da Páscoa se reveste de uma
solenidade especial, com leituras apropriadas, ressaltando o importante momento
litúrgico. E neste domingo, a primeira
leitura nos apresenta um significativo trecho do Livro dos Atos dos Apóstolos,
onde sintetiza o estilo de vida dos primeiros cristãos: comunidade de fé,
comunidade de vida, comunidade de oração e ainda descreve os primeiros tempos
da Igreja, como comunidade da Palavra
e da Eucaristia: “Eram assíduos ao
ensino dos Apóstolos, à união fraterna e à fração do pão” (At 2,42), costume
que se perpetua até os nossos dias.
Em cada domingo,
somos chamados a imitar estes exemplos dos primeiros cristãos e nos reunimos
para ouvir os ensinamentos dos apóstolos e para participar na fração do pão e
na oração comum. Que possamos continuar
sendo esta comunidade fraterna e reunida em seu nome, para que o próprio Cristo
possa estar no meio de nós.
O Evangelho
nos apresenta as duas aparições de Jesus aos seus discípulos: uma na tarde do
dia da Ressurreição, e a outra, oito dias depois. O texto que nos é proposto
está dividido em duas partes bem distintas. Na primeira parte (v. 19-23),
descreve-se uma “aparição” de Jesus aos discípulos. Pode-se observar em um
primeiro momento a situação de insegurança e de fragilidade em que a comunidade
estava: o “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”, e Jesus aparece no meio
deles, “no centro” (v. 19). Ao aparecer “no meio deles”, Jesus assume-se como ponto
de referência como um fator de unidade.
Os discípulos
estão reunidos ao seu redor, pois ele é o centro onde todos vão buscar as
forças necessárias para que possam vencer o “medo” e a hostilidade do
mundo. A estes discípulos, enfraquecidos
pelo medo, ao anoitecer, sinal de trevas de um mundo indiferente, Jesus
transmite duplamente a paz (v. 19 e 21).
É o “shalom” hebraico, que tem o sentido de harmonia, serenidade,
tranquilidade, confiança. Assegura-se, assim, aos discípulos que ele venceu
aquilo que o assustava, ou seja, a morte, a opressão, a apatia do mundo; e que,
de agora em diante, os discípulos não têm razão para ter medo. Jesus já havia
dito muitas vezes a eles: “Não tenhais medo”.
Em seguida (v.
22), vimos que Jesus “soprou” sobre os discípulos reunidos à sua volta. O verbo
aqui utilizado é o mesmo do texto de Gn 2,7, quando se diz que Deus soprou
sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida. Com o “sopro” de Gn 2,7, o
homem tornou-se um ser vivente. Ao
soprar sobre os Apóstolos, Jesus transmite a eles a vida nova que os fará
homens novos. Com isto, eles passam a ser portadores do Espírito Santo, a vida
de Deus, para poderem, como Jesus, doar-se também aos outros.
Na segunda
parte do Evangelho (vv. 24-29), encontramos uma catequese sobre a fé, onde o
apóstolo Tomé faz uma experiência de Cristo vivo. O texto nos faz rever a experiência do
encontro dos apóstolos com o Cristo ressuscitado, que aparece no cenáculo, na
noite do mesmo dia da ressurreição, “o primeiro da semana”, e sucessivamente
“oito dias depois” (cf. Jo 20,19.26). Aquele dia, chamado posteriormente de
“domingo”, que quer dizer “dia do Senhor”, o dia em que a comunidade cristã se
reúne para celebrar a Eucaristia. Com efeito, com a celebração do Dia do Senhor
os primeiros cristãos iniciam um culto diverso em relação ao sábado judaico.
Em cada
Celebração Eucarística temos um encontro com o Senhor Ressuscitado, que torna-se
realmente presente no meio da comunidade, fala-nos nas Sagradas Escrituras e
parte para nós o Pão de vida eterna. Através destes sinais nós vivemos a mesma
experiência dos apóstolos, isto é, o fato de ver Jesus e ao mesmo tempo de não
o reconhecer; de tocar o seu corpo e estar em comunhão com Ele.
O texto
evangélico nos diz que Jesus “apareceu”; ou seja, ele “deixou-se ver”. Na verdade, depois da ressurreição, Jesus
pertence a uma esfera da realidade, que normalmente se subtrai aos nossos
sentidos. Não pertence mais ao mundo
perceptível com os sentidos, mas ao mundo de Deus. Por conseguinte, só pode vê-lo aquele a quem
ele próprio o concede. Ele deixa as
suas chagas serem tocadas por Tomé, todavia, Ele não é um homem que voltou a
ser como antes da morte. Impressiona,
acima de tudo, o fato de os discípulos, em certas aparições, em um primeiro
momento não o reconhecerem. Isto
acontece não só aos discípulos de Emaús, mas também a Maria Madalena e, depois,
uma vez mais, junto do mar de Tiberíades.
Em outras palavras trata-se de um reconhecer a partir de dentro.
Jesus chega
estando as portas fechadas, apresenta-se de improviso no meio dos apóstolos,
atingidos pelo medo. E,
correlativamente, desaparece, como no fim do encontro com os discípulos de
Emaús. Jesus aparece plenamente corpóreo, mas não está ligado às leis da
corporeidade e liberdade dos vínculos do corpo, manifesta-se a essência
peculiar, misteriosa, da nova existência do Ressuscitado. Com efeito, ele é o mesmo, ou seja, Homem de
carne e osso, e Ele é também o novo, aquele que entrou em um gênero diverso de
existência. O fato é que Jesus é verdadeiramente
homem; e como homem, Ele sofreu e morreu; agora vive de modo novo na dimensão
do Deus vivo; aparece como verdadeiro homem, todavia, a partir de Deus: e ele
mesmo é Deus. Jesus não voltou à
existência empírica, sujeita à lei da morte, mas ele vive de modo novo na
comunhão com Deus (cf. BENTO PP XVI, Jesus de Nazaré: Da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição, Rio de Janeiro, 2011, p. 238).
É importante conhecermos alguns símbolos pascais, que
se revestem de expressivos significados. Dentre estes símbolos, pode-se
destacar o Círio Pascal, que representa o Cristo ressuscitado, vencedor
das trevas e da morte. A palavra
"círio" vem do latim "cereus", que se pode traduzir por de
cera. É o símbolo de Cristo - Luz -, e é colocado sobre uma coluna ou candelabro,
devidamente ornamentado, até o dia de Pentecostes. Desde os primeiros séculos o
Círio é um dos símbolos mais expressivos do Tempo Pascal. Nele encontramos uma
inscrição em forma de cruz, acompanhada da data do ano em curso e das letras Alfa
e Ômega, a primeira e a última letra do alfabeto grego, para indicar que
a Páscoa do Senhor Jesus, é o princípio e fim do tempo e da eternidade, e nos
alcança com força sempre nova no ano concreto em que vivemos. O Círio Pascal
tem ainda incrustados em sua cera cinco cravos de incenso que simbolizam as
cinco chagas do Cristo.
Uma vez
concluído o tempo Pascal, o Círio é conservado no batistério. É usado durante
os batismos e nas exéquias, para ressaltar o princípio e o fim da vida
temporal, para simbolizar que um cristão participa da luz de Cristo ao longo de
todo o seu caminho terreno, como garantia de sua incorporação definitiva à Luz
da vida eterna. Além do simbolismo da
luz, o Círio Pascal tem também o marco de uma oferenda, como cera que se
consome em honra de Deus, espalhando sua Luz.
A Ressurreição de Cristo nos faz lembrar que também devemos ser luz, a
fim de levarmos a luz aos outros. Para
isso, devemos estar unidos a Cristo, como diz São Paulo: Instaurar todos em
Cristo (Ef 1,10).
Contudo,
possamos todos nós fazer esta mesma experiência de Tomé e, com ele, coloquemos
também as nossas mãos no lado traspassado de Jesus e professemos: “Meus Senhor
e meu Deus” (Jo 20,28). Que possamos reconhecer no Cristo
Ressuscitado o nosso Senhor e o nosso Deus, assim como fizeram também muitos
santos, que souberam edificar a Igreja com o testemunho de fé, de amor e de
coragem, e anunciaram Jesus Cristo com os seus ensinamentos e com o testemunho
de vida. Que eles possam interceder por nós, para que possamos também, sem
cessar, buscar a santidade e continuar a nossa peregrinação a caminho da pátria
celeste. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de
São Bento/RJ
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