quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Análise de conjuntura de 2017: governo programado para devastar direitos

Análise de conjuntura de 2017: governo programado para devastar direitos


POR ROBERTO ANTONIO LIEBGOTT, COORDENADOR DO CIMI REGIONAL SUL, FILÓSOFO E BACHAREL EM DIREITO
Imposto pelo mercado, o governo Temer devasta os direitos individuais e coletivos dos mais pobres; ataca e depreda os territórios dos povos indígenas e quilombolas para abastecer os cofres dos mais ricos. O neoliberalismo parece ter alterado – no Brasil – uma de suas premissas: a de se fazer, através do Estado, a gestão das desigualdades. Pretende, com isso, melhorar os rendimentos do mercado e favorecer os setores da economia que enxergam na terra e no meio ambiente apenas as potencialidades para a lucratividade, contrapondo-se, portanto, a qualquer iniciativa de proteção e preservação dos recursos naturais.
A cada período – sempre que há uma crise econômica – o sistema capitalista se ajusta no sentido de ampliar sua capacidade de exploração e obtenção de lucros. No Brasil, em função dos graves problemas políticos e econômicos desencadeados nos três últimos anos, os “empreendedores” decidiram que para a lucratividade plena e incessante, o Estado deveria fazer ainda mais concessões nas esferas legislativas, econômicas e jurídicas. Ou seja, os neoliberais querem que o país lhes dê liberdade absoluta para explorar as terras, a natureza, as águas, a agricultura, a pecuária, os minérios, o comércio, os serviços, os preços, os investimentos, os juros e a mão de obra barata.
Se antes a orientação era fazer a gestão das desigualdades – assegurando a existência de financiamento público para o atendimento das necessidades de uma população empobrecida e sem condições de competir,  inclusive para que essa condição não fosse deflagradora de revoltas – agora a regra é expandir as possibilidades de lucro inclusive nestes segmentos, com bens e serviços expropriados.De forma enfática, explorando ainda mais do trabalhador, restringindo e desregulamentando direitos. Para atingir tal empenho promove-se a cooptação dos governantes, dos políticos e do judiciário e, se mesmo assim estas concessões não forem suficientes, passa-se ao regime de exceção e repressão política, jurídica e militar.
É neste cenário da economia e da política que encontramos algumas das razões para os graves e profundos retrocessos legislativos, constitucionais, jurídicos, sociais e trabalhistas. De modo muito acelerado, estamos sendo conduzidos a um regime de exceção e repressão. Aqueles que se contrapõem ao governo e suas políticas acabam sendo perseguidos e criminalizados. Nunca como antes, para usar uma expressão bem popular, as polícias, promotores, os juízes, os tribunais, a grande mídia e o fundamentalismo político e religioso foram tão essenciais para a manutenção e segurança da ordem estabelecida pelo sistema. Os povos indígenas compõem, junto com outros setores da sociedade, os núcleos de resistência a esse sistema de exploração.
Eles, povos e comunidades, na medida em que agem e reagem contra os retrocessos e contra as violações aos seus direitos fundamentais acabam sofrendo, de modo mais intenso, os impactos do regime de exceção e repressão. Entende-se, portanto, o sucateamento e a inoperância dos órgãos responsáveis pela execução de políticas públicas; entende-se porque os recursos orçamentários sofreram restrições e o congelamento por 20 anos; entende-se porque os direitos constitucionais são relativizados; entende-se porque há uma seletividade de pessoas, dividida em classes sociais, necessárias para a reprodução do sistema a aquelas que são as sub-existentes, que não importam, não interessam e por isso são descartáveis.
Os povos indígenas estão entre aqueles considerados descartáveis. Se legalmente puderem ser descartados, seus territórios se tornam viáveis para a exploração dos monocultivos agrícolas, da pecuária, dos minerais, madeira e energia. A vida e o modo de ser dos povos indígenas, assim como das demais comunidades tradicionais, não contam para o sistema, não somam ao governo, não agregam força política. Ao contrário: aqueles que eventualmente assumem o compromisso com seu dever constitucional de assegurar-lhes os direitos territoriais e étnicos têm sofrido represálias políticas e jurídicas.
A partir deste quadro mais amplo, é possível avaliar o ano de 2017 no âmbito da política indigenista do governo Temer e dos seus mantenedores. Uma política deplorável, fascista, predatória e devastadora dos territórios, dos recursos ambientais e das águas. Uma política propositadamente implementada para aniquilar com os direitos dos povos indígenas e suas perspectivas de vida e de futuro. Uma política engendrada dentro de quartéis e nos gabinetes de ruralistas e fundamentalistas religiosos. Uma política que tem uma face de perversidade porque se impõe pela força bruta e pela repressão, consolidando-se no que passo a denominar de antipolítica.
Povos indígenas protestam contra Parecer Antidemarcação, em Brasília. Foto: Aty Guasu
O sucateamento programático do órgão indigenista oficial para a estruturação de uma antipolítica indigenista no país
A Fundação Nacional do Índio (Funai) vem sendo, ao longo dos anos, alvo de críticas por parte dos povos indígenas em função de sua ineficiência e morosidade na condução da política indigenista, mas também sofre pressões e perseguições dos ruralistas pelo fato de ela ter a obrigação legal de atuar em prol dos direitos indígenas, em especial no tocante a sua obrigação de proceder aos estudos de identificação e delimitação daquelas terras que são caracterizadas como sendo pertencentes aos  indígenas. Por conta dessa atribuição, a Funai acabou, juntamente com o Incra, sendo objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados.
Ocorre que neste último período de governo o órgão indigenista passou a ser orientado e conduzido por segmentos que são historicamente anti-indígenas – os empresários do agronegócio, da mineração, do ruralismo, do fundamentalismo religioso e de militares. Estes definem como a Funai deve atuar e conduzem a política de governo destinada aos povos indígenas, portanto, realizam uma antipolítica. Se anteriormente havia morosidade nas ações, agora ocorre um planejamento estratégico visando a inviabilização da Funai enquanto estrutura de Estado para desenvolver as políticas e a proteção dos povos e seus territórios.
As consequências dessa antipolítica se refletem na paralisação de todas as demarcações de terras, nas restrições orçamentárias para as ações e serviços nas áreas, no abandono das atividades voltadas à proteção dos povos em situação de isolamento e risco, a fiscalização das terras demarcadas, em especial na Amazônia, que estão sendo alvos de desmatamentos, de incêndios criminosos, invasões de madeireiros, garimpeiros, caçadores, pescadores e grileiros. A antipolítica pretende, neste contexto, inviabilizar o usufruto das terras pelos indígenas e, neste sentido, passa a ser instrumentalizada pelos ruralistas para planejar e implementar o que eles denominam de parcerias agrícolas, que nada mais são do que a tentativa de legitimar os arrendamentos de terras – o que é inconstitucional, visto que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e o direito sobre elas é imprescritível (art. 231, § 4).
A antipolítica impôs, no âmbito da administração pública federal, através do Parecer 001/2017 da AGU, as 19 condicionantes do caso Raposa Serra do Sol/PET 3338 e a tese do marco temporal da Constituição Federal de 1988; a antipolítica coopta indígenas para fazer com eles mesmos façam a defesa dessas pautas com o intuito de  tirar o foco dos algozes ruralistas, militares e fundamentalistas; a antipolítica conduz a questão indígena para o caos absoluto, embora a sua sede em Brasília esteja localizada dentro de um Shopping Center, no Eixo Monumental, próximo à Esplanada dos Ministérios.
A Sesai, o loteamento político dos cargos e a plena terceirização dos serviços aos povos indígenas
Ao examinar os dados orçamentários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) pode-se concluir que todas as análises acerca dos povos indígenas são mentirosas. Parece haver um descompasso entre aquilo que se fala, se observa e os dados. Os recursos destinados para a saúde indígena em 2017 chegam a cifras de quase R$ 1 bilhão e 500 mil. Portanto, não parece ser a inexistência de dinheiro a causadora dos problemas dos indígenas na saúde. E talvez não seja efetivamente. Ocorre que a política é terceirizada; apenas três organizações controlam grande parte das ações e serviços nas áreas indígenas.
O gerenciamento se dá de forma desarticulada, sem avaliação e análise dos planos distritais de trabalho, sem fiscalização das atividades desenvolvidas e sem controle social por parte dos indígenas. Além disso, nos últimos meses, os cargos de chefias no âmbito das coordenações dos distritos de saúde foram todos loteados e entregues a pessoas ligadas ao PMDB e PP, partidos com políticos presos e denunciados pelo Poder Judiciário. Em geral estes ocupantes também lotearam os cargos menores; a saúde indígena acabou submetida aos interesses dos cartéis políticos. A atenção básica em saúde, que já era frágil, tornou-se inexistente.
Toda a cadeia do Subsistema de Saúde Indígena está prejudicado. As atividades voltadas para o saneamento básico permaneceram paralisadas; ações e serviços no âmbito das garantias alimentar e nutricional parecem abandonadas e as consequências ficam evidentes com a prevalência de desnutrição e anemia em crianças e mulhere. Em função das transformações nos estilos de vida das comunidades associadas às frequentes relações com os não índios, muitas pessoas adultas sofrem de obesidade, hipertensão arterial e diabetes por conta da má alimentação dominada por carboidratos – massas, bolachas, arroz, açúcar,  salgados e refrigerantes. Tal quadro de insuficiência de vitaminas, proteínas e fibras se torna ainda mais grave com a inexistente ou parca distribuição de cestas básicas, o que evidentemente tem comprometido a subsistência alimentar daquelas comunidades que vivem em acampamentos, às margens de rodovias ou em terras degradadas.
Não há água potável em algumas destas comunidades, e sem água é impossível haver saúde. Com a ausência de ações preventivas percebe-se o aumento de doenças infecciosas e parasitárias como principal causa de mortalidade, juntamente com a tuberculose – e esta se destaca como uma das mais importantes causas de morbimortalidade indígena em todo o país. Tais doenças, de um modo geral, apresenta coeficientes de incidência superiores aos observados na população brasileira como um todo. Outra endemia que se sobressai no perfil epidemiológico dos povos indígenas é a malária, principalmente entre as populações situadas na região Norte, oeste do Maranhão e norte do Centro-Oeste.
No tocante às perspectivas, se pode dizer que o quadro tende a se agravar para o próximo ano, pois os partidos que lotearam a Sesai ficarão mais ambiciosos diante do calendário político que se avizinha e os recursos para as ações e serviços serão também objetos de cobiça em função das eleições majoritárias e para o parlamento. Sobre a terceirização, o Ministério da Saúde anunciou que esta prática será ampliada com a abertura de editais para que outras organizações possam disputar convênios e prestar serviços em saúde. Essa prática – da terceirização mais ampla – vai gerar alguns novos problemas: a demissão de agentes indígenas de saúde e recontratações por remunerações menores, contratação de profissionais com salários inferiores aos atuais e a flexibilização de todos os demais direitos trabalhistas aproveitando-se da reforma trabalhista e da lei da terceirização, aprovadas por Michel Temer.
Povo Guarani Mbya às margens da BR 290, em Caçapava do Sul (RS). Foto: Roberto Liebgott/Cimi
Ministério da Justiça e suas proposições para restringir ou negociar os direitos constitucionais dos povos indígenas
O ministro da Justiça, Torquato Lorena Jardim, cuja carreira política foi consolidada junto ao regime militar (1964-1985), não se furtou em receber delegações indígenas, ao assumir a coordenação do ministério, porque as batidas à porta eram convertidas em oportunidade para a exposição de algumas questões relevantes ao governo, mas preocupantes para os indígenas. Jardim não negou, de pronto, que os povos têm direitos constitucionalmente consagrados na Carta Magna. Não repetiu o erro de seu antecessor, o ruralista Osmar Serraglio. No entanto, sempre que pode defende a necessidade de se fazer negociações entre o governo e os “afetados” pelas demarcações de terras e com isso resolver pendências e contradições nos procedimentos demarcatórios. Nesta negociação, de pronto, ficam de fora os principais interessados, os povos, suas comunidades e lideranças, os indigenistas da Funai e outros segmentos de apoio aos indígenas.
Pelo que se pôde perceber, ao longo do ano, o ministro absorveu algumas teses do meio ruralista – com quem tem sempre interlocução, sendo ele um interlocutor do setor com o governo – tal como a imposição das 19 condicionantes do caso Raposa Serra do Sol, o marco temporal da Constituição de 1988, as parcerias agrícolas ou o arrendamento de terras. No entender do ministro, as terras que foram demarcadas ou que estão em vias de demarcação precisam, antes de tudo, serem revisadas para saber se atendem ou não as teses e perspectivas não indígenas.
Jardim tenta dosar na questão indígena o que o Estado tem apresentado como característica conjuntural: aparência de normalidade constitucional para medidas de exceção e autoritárias, nada democráticas. O ministro mantém sob seu controle todas as demandas de demarcação de terras e como consequência não permite que ocorra qualquer tipo de avanço demarcatório. Ele tem na Funai um presidente de sua confiança (um coronel das Forças Armadas, as quais serviu como civil na ditadura) e um grupo de servidores indicados por políticos das bancadas fundamentalista, ruralista e da mineração. Tem ainda como interlocutores preferenciais os empresários do agronegócio e da mineração, com quem dialoga e define suas estratégias para a antipolítica indigenista.
Há um complô dentro do governo federal para inviabilizar as demandas indígenas e impor uma agenda de ações paliativas e desconectadas das realidades de luta, das dificuldades e desafios das comunidades. Se trata de um complô institucional, pois passa pela Presidência da República e sua Casa Civil, percorre a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional, onde os ruralistas atuam fortemente contra os direitos indígenas, passando por alguns gabinetes de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, então, chega-se até à Advocacia-Geral da União (AGU) onde darão forma às propostas para explicitar como estas serão incorporadas pela administração pública. Em sequência, com o complô já formalizado, toma-se o caminho do Shopping Center, onde está localizada a sede da Funai, a quem o governo determina que atitudes e ações sejam efetuadas para convencer os povos indígenas – especialmente os mais revoltados com a situação de violações de seus direitos – a aderirem à antipolítica.
As teses anti-indígenas foram tratadas e constituídas por um conjunto de setores públicos e privados tendo em vista a apropriação das terras e de todos os seus bens ambientais, hídricos e minerais. A AGU, a quem compete defender a União e todos os seus bens, colocou-se ao lado destes setores fazendo uma gestão – jurídica – de teses que se contrapõem aos direitos indígenas e às próprias atribuições legais dos erviço que legalmente deveria prestar. Foi nessa toada que a AGU editou um parecer (Parecer 001/2017) vinculando-o de modo absurdo e arbitrário – já que em lugar nenhum do mundo um parecer técnico, jurídico ou qualquer outro parecer pode ser vinculante – a toda a administração pública, estabelecendo, portanto que as 19 condicionantes do caso Raposa Serra do Sol e o Marco Temporal da CF/1988 orientem todos os procedimentos de demarcação de terras indígenas.
Com este parecer, a AGU legisla em defesa dos interesses privados e em detrimento dos interesses da União, já que é responsabilidade da União proceder a demarcação de terras indígenas e como consequência as terras demarcadas passam a compor o seu patrimônio. A AGU age, na prática, de forma ilegal e chega a ser perversa porque submete os povos indígenas, a quem deveria fazer a defesa, a condição de sujeitos sem direito, ou com direito desde que comprovem que estavam na posse da terra por eles reivindicada no dia 05 de outubro de 1988, caso nela não estivessem – por fatores diversos tais como expulsão, perseguição, racismo, massacres – ou não a estivessem disputando física ou jurídica – tese do renitente esbulho – eles perdem o direito a terem direito. A AGU, em síntese, propõe o esbulho, por particulares, dos bens da União.
CPI para desencadear um processo de criminalização de lideranças indígenas e de indigenistas
A bancada ruralista no Congresso Nacional criou a CPI da Funai e do Incra. O objetivo era de desqualificar as ações e serviços em prol dos povos indígenas e quilombolas e criminalizar todos aqueles e aquelas que se colocaram na defesa das demarcações das terras e reforma agrária. Essa CPI, motivada inclusive a pedido, no ano de 2013, pela então ministra-chefe da Casa Civil, a senadora Gleisi Hoffmann, em uma audiência na Câmara dos Deputados, para que fossem investigadas as ações da Funai no tocante aos procedimentos de demarcações de terras, especialmente aquelas localizadas Paraná, onde era, na época, a sua base eleitoral.
Os ruralistas que antes estavam atrelados ao governo do Partido dos Trabalhadores, se uniram com o governo de Michel Temer e decidiram pela criação da CPI. Depois de quase dois anos de tramitação (com duas CPIs) se aprovou um relatório final pedindo o indiciamento de mais de 100 pessoas, em sua maioria composta por militantes e lideranças que lutam pela demarcação de terras indígenas, quilombolas e reforma agrária. O relatório final da CPI foi encaminhado para as autoridades, tais como Polícia Federal e Ministério Público Federal. Mas como a Funai, depois de Michel Temer, foi loteada pelos mesmos parlamentares que conduziram a CPI e passou a gerir as ações anti-indígenas, os encaminhamentos relativos a CPI acabaram relegados a um segundo plano.
O Poder Judiciário e as teses do marco temporal
Durante o julgamento, pelo STF, das ACO 362/MT e ACO 366/MT, em 16 de agosto de 2017, prevaleceu nos votos dos ministros a argumentação de que o direito dos indígenas é congênito e primário sobre os territórios, independentemente de título ou reconhecimento formal, estabelecido no sistema legal brasileiro pela Lei das Terras (Lei nº 601/1850). Para os ministros do STF, o indigenato não se confunde com a ocupação ou com a mera posse. O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, “não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem”.
Para Badin, “a relação dos índios com suas terras não se rege pelo direito privado. Não se trata de simples poder de fato exercido sobre o imóvel, regulado nos termos do Código Civil, mas, sobretudo, do habitat de um povo, isto é, daquele conjunto de fatores sociais, políticos e ambientais que são necessários ao desenvolvimento equilibrado e harmônico de uma sociedade humana. Ou seja, trata-se da terra como parte da herança cultural de um povo, transmitida dos pais para os filhos. Isso é menos que um poder de fato no sentido do Código Civil”.
Os ministros também reafirmaram que o marco temporal usado no caso Raposa Serra do Sol (Pet. 3388/RR) não era para limitar o direito às terras pelos índios, mas para depurar sobre esse direito, o qual é feito, como bem salientado por todos os ministros, através do laudo científico antropológico. O ministro Luiz Edson Fachin falou sobre a nulidade de títulos e a existência dos direitos dos índios antes mesmo da existência de qualquer outro direito: “A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a consagrar o direito dos índios à posse de suas terras, disposição repetida em todos os textos constitucionais posteriores, sendo entendimento pacífico na doutrina que esse reconhecimento constitucional operou a nulidade de pleno direito de qualquer ato de transmissão da posse ou da propriedade dessas áreas a terceiros (…)”.
Portanto, não há dúvida acerca da resolução da matéria, o que assegura ao tema uma inquestionável resolução pela mais alta corte jurídica do Brasil. Ou seja, a posse indígena é constitucional, não se perde nos casos de esbulho, expulsões e violência cometidas contra o patrimônio dos índios, vedado o reducionismo hermenêutico em detrimento do direito dos povos tradicionais. E o único meio eficaz de dizer desse direito e fazer prova sobre ele, é pela via da ciência antropológica. Quanto ao marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol, não se põe mais em discussão.
Cova é aberta, às margens de rodovia no MS, para uma Guarani Kaiowá do tekoha Apyka’i. Foto: Lídia Farias de Oliveira/Cimi
Os povos em situação de isolamento e risco
Há que se fazer referência, no contexto da antipolítica indigenista atual, sobre a grave realidade de povos que vivem em situação de isolamento e risco nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso. Com os cortes orçamentários o governo federal comprometeu as ações de fiscalização e proteção dos territórios de mais de 90 povos isolados, submetendo-os à condição de vítimas de um provável processo de genocídio. No decorrer do ano de 2017, circularam informações e denúncias de que ocorreram massacres de indígenas e que estes foram praticados por garimpeiros, caçadores, madeireiros. Os fatos precisam ser investigados e caso sejam verdadeiros o governo federal deverá ser responsabilizado, pois foi este governo quem incentivou a ocupação e invasão das áreas para a exploração garimpeira, madeireira, de pescadores e caçadores.
Comunidades em contexto urbano
Milhares de famílias indígenas vivem nas cidades. Elas buscam melhores condições de vida. No entanto, a realidade dos indígenas é de pobreza, pois enfrentam graves dificuldades de conseguir emprego. A principal renda, na atualidade, vem do artesanato. Apesar das condições adversas eles procuram viver em comunidade, mesmo que estas estejam nas periferias das cidades, como São Paulo.
A antropóloga Lúcia Helena Rangel, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, confirma que é comum os indígenas, mesmo em áreas urbanas, viverem em comunidade. “Conforme vai passando o tempo, vem um, vem outro e mais outros, as famílias acabam se juntando em determinado bairro, ou em uma periferia que ninguém morava, e os indígenas foram morar”, diz a antropóloga que é assessora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Tal realidade ocorre em quase todas as capitais do país e nas grandes cidades. O urbano chegou, em definitivo, até os povos indígenas e isso gera uma série de problemas e de demandas por políticas públicas. Mas não se percebe, da parte do Estado, nenhuma preocupação em acolher, através de políticas diferenciadas, esta enorme população.
Sinais de esperança, lutas articuladas com outros setores
Neste contexto de adversidades, onde o Estado se une com os inimigos dos povos para deles retirar direitos, há um caminho a ser seguido: retomar as pautas comuns de luta e resistência contra a exclusão e a repressão. Há que se fortalecer as assembleias dos povos, unindo as diferenças, expondo as propostas pela garantia dos territórios e para combater o racismo, a intolerância, a criminalização e a repressão. As assembleias devem expressar a articulação da resistência no contexto de lutas dos povos originários das Américas e dos africanos na diáspora. Deve-se, para caminhar na unidade, estabelecer uma agenda unitária, onde serão apontadas as necessidades, expectativas e esperanças dos povos articuladas aos direitos consagrados na Constituição Federal.
Os povos precisam se unir para enfrentar o regime de repressão e de exceção em curso, pois estes não devem calar as vozes e esvaziar as lutas, apesar dos governos enxergarem os povos como estorvo ao desenvolvimento e, portanto, alvos da violência e do genocídio. Precisamos ir além do processo eleitoral e defender uma agenda comum de defesa de direitos, seja qual governo e qual formação tenha o parlamento brasileiro, após o processo eleitoral de 2018.
Combater as injustiças e abraçar-se em torno das causas sociais, populares, étnicas e territoriais, são atitudes que dão sentido à nossa vida e que promovem a esperança de que uma sociedade plural e no Bem Viver de todos é possível. Mas há muito a fazer, especialmente para combater a intolerância, o racismo institucional e para resistir às investidas dos inimigos que querem tomar, à força, os territórios dos povos indígenas.
Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Convite: 10 anos de Ordenação Episcopal de Dom Roberto Francisco Ferreria Paz

A imagem pode conter: 7 pessoas, casamento


Catedral Basílica Menor do Santíssimo Salvador
Campos
Dia 19 de fevereiro - 19h
Missa de Ação de Graças pelos 10 anos de ordenação episcopal de Dom Roberto Francisco Ferreria Paz
Bispo Diocesano de Campos / RJ

Dia Mundial do Enfermo

Papa Francisco com um enfermo


Na sua mensagem para este Dia Francisco reafirma o serviço da Igreja aos doentes e destaca o exemplo de Maria no cuidado para com essas pessoas.

Cidade do Vaticano
Neste dia 11 de fevereiro, dia de Nossa Senhora  de Lourdes,  a Igreja recorda o Dia Mundial do Enfermo. Todos os anos o Papa  envia uma mensagem de fé e esperança aos profissionais e voluntários que trabalham na área da saúde. Para a celebração da data este ano,  o Papa Francisco escolheu as palavras de Jesus, elevado na cruz, que se dirige à sua mãe e a João, dizendo: “Eis o seu filho! (…) Eis a sua mãe!” (Jo 19, 26-27). 
Esta data, de origem religiosa, tem o objetivo de apelar à sociedade e à comunidade mundial por melhores condições de tratamento e atenção às pessoas doentes, seja nos hospitais, postos de saúde ou mesmo em casa. O Dia Mundial do Enfermo foi criado em 11 de fevereiro de 1992, por iniciativa do Papa João Paulo II.
A mensagem para este Dia Mundial do Enfermo foi divulgada no último dia 11 de dezembro. No texto, Francisco reafirma o serviço da Igreja aos doentes e destaca o exemplo de Maria no cuidado para com essas pessoas.
A mensagem traz como tema as palavras que Jesus, do alto da cruz, dirige a Maria e a João: «“Eis o teu filho! (…) Eis a tua mãe!” E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-A como sua» (Jo 19, 26-27). São Palavras que deram origem à vocação materna de Maria em relação a toda a humanidade, explica Francisco na mensagem.
Segundo o Papa, a vocação materna da Igreja para com os necessitados e doentes concretizou-se em uma série de iniciativas em favor dos enfermos e constitui uma história de dedicação que não deve ser esquecida.
“A imagem da Igreja como ‘hospital de campo’, acolhedora de todos os que são feridos pela vida, é uma realidade muito concreta, porque, nalgumas partes do mundo, os hospitais dos missionários e das dioceses são os únicos que fornecem os cuidados necessários à população”.
O Santo Padre destaca ainda no texto o trabalho da Pastoral da Saúde como necessário e essencial e recorda a ternura e perseverança de tantas famílias ao acompanhar seus doentes. Segundo o Papa, os cuidados por parte da família são testemunho de amor pela pessoa humana e devem ser apoiados.
“Portanto, médicos e enfermeiros, sacerdotes, consagrados e voluntários, familiares e todos aqueles que se empenham no cuidado dos doentes, participam nesta missão eclesial. É uma responsabilidade compartilhada, que enriquece o valor do serviço diário de cada um”.
Francisco concluiu a mensagem confiando a Maria todos os doentes no corpo e no espírito, para que os sustente na esperança. “A Virgem Maria interceda por este XXVI Dia Mundial do Doente, ajude as pessoas doentes a viverem o seu sofrimento em comunhão com o Senhor Jesus, e ampare aqueles que cuidam delas”.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Ano Nacional do Laicato


Cardeal Sergio da Rocha entrevistado pelo portal “Religión Digital”


Cardeal Sergio da Rocha entrevistado pelo portal “Religión Digital”

Dada a situação que o Brasil está experimentando, com uma realidade sociopolítica que nos surpreende todos os dias, que cada dia nos apresenta uma novidade, como presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil frente a essa realidade?
A própria CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, já se pronunciou várias vezes sobre o momento nacional. Estamos preocupados com a situação em que vivemos, mas, acima de tudo, questionamos as iniciativas que envolvem a perda de direitos, especialmente dos mais pobres. Várias reformas ocorreram aqui no Brasil, primeiro o Projeto de Emenda Constitucional, no limite das despesas públicas, depois a reforma trabalhista, a terceirização, agora a reforma da Previdência.
A CNBB tem sido uma voz profética que questiona essas iniciativas, especialmente alertando fortemente sobre a perda de direitos que essas iniciativas trazem. É claro que é cada vez mais necessário viver essa missão profética da Igreja e temos muito o que fazer. Não é suficiente fazer apenas um pronunciamento, é necessária uma ação efetiva de nossas comunidades, participando da vida política do país. Os bispos do Brasil, através da CNBB, fizeram seus pronunciamentos, mas a CNBB tem a pastoral social e os organismos que têm sua ação, mas ainda assim, precisamos da colaboração da sociedade civil organizada atuando e, acima de tudo, precisamos da mobilização de nossas comunidades. Há sempre uma maneira de se mobilizar, embora seja claro que depende da realidade local. Sempre defendemos manifestações pacíficas, sempre apelamos para a não-violência. Vivemos em uma sociedade que já é violenta e não podemos permitir que qualquer tipo de violência seja combatido com mais violência. Mas é muito importante que tenhamos uma ação mais efetiva da população brasileira em seu exercício de cidadania, pois muitas vezes há uma indiferença ou uma certa desculpa em relação à vida política.
O senhores bispos pedem a participação das comunidades  esta é uma preocupação que também está muito presente nas palavras do Papa Francisco. Nos encontros com os movimentos sociais, ele sempre diz que as reformas sociais devem nascer da base. Por que existe essa falta de compromisso, essa apatia que o senhor aponta, mesmo dentro das comunidades da Igreja Católica?
No Brasil, temos fatores históricos que podem explicar um pouco essas reações de apatia ou indiferença. Também temos a falta de oportunidades para um diálogo mais efetivo com a sociedade civil organizada. O próprio governo brasileiro tem tendência a dialogar somente com o Congresso Nacional, negociar politicamente com o congresso. É claro que em uma democracia há sempre isso, mas não pode ser restrito a isso, é necessário que as pessoas sejam mais ouvidas, acima de tudo, a sociedade civil organizada seja mais ouvida para permitir uma participação mais efetiva na vida social.
Eu acho que nós, dentro das comunidades, também precisamos destacar o valor, a necessidade de maior participação política. Porque também depende da Igreja local que essa participação cresça ou não. Penso que é necessário ajudar, encorajar. Eu digo que nós, como bispos, ministros ordenados, que somos pastores na Igreja, precisamos encorajar nosso povo, em nossas comunidades, a pensar sobre a vida política, a participar mais efetivamente na vida política de forma organizada e não apenas individualmente.
As Comunidades Eclesiais de Base sempre influenciaram essa dimensão política, essa presença na sociedade, esse compromisso por um mundo melhor. O 14ª Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) acaba de ser celebrado e refletiu sobre a evangelização do mundo urbano. Como as CEBs podem ajudar nessa jornada, nesse trabalho?
Na mensagem aos participantes do Intereclisal está destacado que não estão oferecendo apenas respostas pastorais através de iniciativas CEBs, mas as próprias CEBs já são uma resposta aos desafios do mundo urbano, porque é preciso construir comunidade, uma comunidade que não se limita ao território, mas que favorece o acolhimento, a integração dos mais pobres, dos excluídos, daqueles que sofrem e que não conseguem encontrar espaço em outras situações. No mundo urbano, as CEBs já são uma resposta, mas é claro que a participação efetiva dos leigos é a grande resposta. Nas CEBs, os leigos são sujeitos da Igreja. Participando das CEBs, é necessário que essa participação não se limite ao interior da comunidade, mas se estenda a uma presença nos diferentes ambientes da sociedade, por exemplo na política, no trabalho, na cultura. Existem diferentes espaços e situações da vida social que precisam de uma presença mais intensa e organizada dos leigos, porque as ações espontâneas e pessoais não são suficientes. Precisamos de uma ação através da pastoral social, por exemplo. As CEBs devem dar valor à pastoral social e se expressar pastoralmente através da ação da pastoral social, porque a comunidade como tal já é uma ótima resposta ao mundo urbano.
Este ano a Igreja do Brasil celebra o Ano do Laicato. Como o Ano do Laicato pode ajudar a caminhar nessa direção que o senhor está apontando? O que se espera da Igreja no Brasil, sobretudo dos leigos e leigas?
Penso que o Ano do Laicato nos ajudará, em primeiro lugar, a dar mais valor à presença dos leigos na Igreja. Às vezes, você tem a ideia de que já está bem como está, que desde o Vaticano II tudo foi resolvido, que os leigos já têm sua participação e espaço.
Infelizmente, nem sempre é esse o caso, e é necessário tornar mais eficaz a presença dos leigos na vida da Igreja, nas comunidades. Por exemplo, temos conselhos e espaços de participação nas comunidades a que deve ser dado mais valor. Esperamos que o Ano do Laicato possa encorajar, incentivar uma maior participação na sociedade, porque acredito que este é o grande desafio. Os leigos estão na Igreja e é necessário que cresçam em participação, mas na sociedade a presença dos leigos ainda não é muito expressiva, especialmente de forma mais organizada.
Um dos grandes desafios é a presença da Igreja no meio da juventude e da juventude na Igreja. O senhor foi nomeado pelo Papa Francisco como relator do Sínodo da Juventude. Como esse sínodo pode ajudar a avançar nessa presença?
Esperamos muito desse Sínodo sobre a Juventude para dar mais coragem, para tornar mais efetiva a presença de jovens na Igreja. Nós fazemos, graças a Deus, um esforço para dar mais prioridade à presença e participação dos jovens na Igreja, no entanto, ainda temos muito o que fazer. De fato, a opção para os jovens, que vem dos tempos de Puebla, aqui na América Latina, precisaria crescer ainda mais. Esperamos que o Sínodo seja uma oportunidade para que os jovens sejam mais ouvidos, e o Papa Francisco tem feito isso, uma vez que favoreceu a escuta da juventude no plural, isto é, das juventudes, não apenas da juventude que está em certo movimento e sim os jovens com os diversos rostos, da juventude do mundo e esperamos que, na assembleia sinodal, a voz dos jovens seja ouvida.
Portanto, todos os esforços da Secretaria do Sínodo, do relator, dos secretários especiais, para receber o máximo possível o sentimento, as aspirações, os desafios dos jovens de todo o mundo para fazer isso repercutir no Sínodo. Esperamos que depois, o Sínodo possa devolver às comunidades os seus frutos e criar impacto na vida da Igreja, porque não pode permanecer apenas na assembléia sinodal, no evento. Esperamos que haja um momento de jornada maior, de participação dos jovens na vida da Igreja, para serem sujeitos do presente da Igreja, não só do seu futuro. É claro que a presença do jovem já existe nas comunidades, na pastoral, mas deve tornar o jovem cada vez mais sujeito na Igreja para ser também sujeito na sociedade.

Junto com este sínodo, o Sínodo dos Bispos da Panamazonia também terá lugar no próximo ano. O Brasil é o país com maior território amazônico, o que a Igreja do Brasil espera desse Sínodo da Amazônia?
O Papa e, claro, o Sínodo, esperam muito da Igreja no Brasil e a Igreja no Brasil também espera muito com esse Sínodo. Vamos oferecer a nossa contribuição, mas também esperamos das orientações pastorais do Sínodo, reflexões, propostas que venham a animar mais a vida e a missão da Igreja na Amazônia. E é claro que o Sínodo é uma ocasião especial para ver os rostos dos povos da Amazônia, ouvir sua voz, ouvir a voz não só da Igreja que está nas cidades da Amazônia, mas também ouvir a voz dos indígenas e sempre defendem suas vidas, seus direitos, sua dignidade.
O propósito do Sínodo é buscar formas de evangelização para os povos da Amazônia, especialmente os povos indígenas. Um dos temas que mais aparecem é a celebração eucarística nas comunidades. Em uma entrevista recente, o arcebispo Erwin Kräutler disse que a questão não tem nada a ver com o celibato opcional ou a ordenação dos homens casados, mas com a forma de ter uma presença eucarística em comunidades onde hoje só acontece uma ou duas vezes por ano. Como encontrar maneiras de fazer isso acontecer?
O Papa Francisco insistiu, e antes dele, em geral, há muitos pronunciamentos, sobre a ministério na Igreja, isto é, dando valor à Igreja ministerial, aos vários ministérios e às diferentes vocações, mas é claro que por mais que os vários ministérios tenham valor com a participação dos leigos, o ministério ordenado tem sua grande importância na vida das comunidades. Tenho certeza de que a própria assembleia sinodal vai pensar sobre como fazer de uma Igreja cada vez mais ministerial, uma realidade; como dar valor aos vários ministérios na própria vida da Igreja e quais respostas pastorais serão dadas às comunidades diante dessa falta de ministros ordenados. Agora, neste momento, penso que não podemos antecipar o que será refletido, mas certamente o problema da ausência de sacerdotes ou ministros ordenados na vida de nossas Igrejas da Amazônia é um fato que certamente deve ser considerado por o próximo sínodo.
Nós ainda não temos o documento preparatório ou o chamado instrumento de trabalho. O diálogo sobre esse sínodo está apenas começando, então precisamos esperar um pouco mais para poder falar sobre esses problemas. Portanto, não temos, neste momento, dados específicos que permitem decisões sobre como essas questões serão abordadas, mas certamente a questão da necessidade de ministros ordenados ou ministros nas comunidades é uma questão atual, já era um tópico antigo, que se torna cada vez mais necessário todos os dias.
(Tradução: Google Tradutor e Redação da Assessoria)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2018



Quaresma 2018: oração, esmola e jejum


«Porque se multiplicará a iniquidade,
vai resfriar o amor de muitos» (
Mt 24, 12)
Amados irmãos e irmãs!
Mais uma vez vamos encontrar-nos com a Páscoa do Senhor! Todos os anos, com a finalidade de nos preparar para ela, Deus na sua providência oferece-nos a Quaresma, «sinal sacramental da nossa conversão»,[1] que anuncia e torna possível voltar ao Senhor de todo o coração e com toda a nossa vida.
Com a presente mensagem desejo, este ano também, ajudar toda a Igreja a viver, neste tempo de graça, com alegria e verdade; faço-o deixando-me inspirar pela seguinte afirmação de Jesus, que aparece no evangelho de Mateus: «Porque se multiplicará a iniquidade 
, vai resfriar o amor de muitos» (24, 12).
Esta frase situa-se no discurso que trata do fim dos tempos, pronunciado em Jerusalém, no Monte das Oliveiras, precisamente onde terá início a paixão do Senhor. Dando resposta a uma pergunta dos discípulos, Jesus anuncia uma grande tribulação e descreve a situação em que poderia encontrar-se a comunidade dos crentes: à vista de fenómenos espaventosos, alguns falsos profetas enganarão a muitos, a ponto de ameaçar apagar-se, nos corações, o amor que é o centro de todo o Evangelho.
Os falsos profetas
Escutemos este trecho, interrogando-nos sobre as formas que assumem os falsos profetas?
Uns assemelham-se a «encantadores de serpentes», ou seja, aproveitam-se das emoções humanas para escravizar as pessoas e levá-las para onde eles querem. Quantos filhos de Deus acabam encandeados pelas adulações dum prazer de poucos instantes que se confunde com a felicidade! Quantos homens e mulheres vivem fascinados pela ilusão do dinheiro, quando este, na realidade, os torna escravos do lucro ou de interesses mesquinhos! Quantos vivem pensando que se bastam a si mesmos e caem vítimas da solidão!
Outros falsos profetas são aqueles «charlatães» que oferecem soluções simples e imediatas para todas as aflições, mas são remédios que se mostram completamente ineficazes: a quantos jovens se oferece o falso remédio da droga, de relações passageiras, de lucros fáceis mas desonestos! Quantos acabam enredados numa vida completamente virtual, onde as relações parecem mais simples e ágeis, mas depois revelam-se dramaticamente sem sentido! Estes impostores, ao mesmo tempo que oferecem coisas sem valor, tiram aquilo que é mais precioso como a dignidade, a liberdade e a capacidade de amar. É o engano da vaidade, que nos leva a fazer a figura de pavões para, depois, nos precipitar no ridículo; e, do ridículo, não se volta atrás. Não nos admiremos! Desde sempre o demónio, que é «mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44), apresenta o mal como bem e o falso como verdadeiro, para confundir o coração do homem. Por isso, cada um de nós é chamado a discernir, no seu coração, e verificar se está ameaçado pelas mentiras destes falsos profetas. É preciso aprender a não se deter no nível imediato, superficial, mas reconhecer o que deixa dentro de nós um rasto bom e mais duradouro, porque vem de Deus e visa verdadeiramente o nosso bem.
Um coração frio
Na Divina Comédia, ao descrever o Inferno, Dante Alighieri imagina o diabo sentado num trono de gelo;[2] habita no gelo do amor sufocado. Interroguemo-nos então: Como se resfria o amor em nós? Quais são os sinais indicadores de que o amor corre o risco de se apagar em nós?
O que apaga o amor é, antes de mais nada, a ganância do dinheiro, «raiz de todos os males» (1 Tm 6, 10); depois dela, vem a recusa de Deus e, consequentemente, de encontrar consolação n'Ele, preferindo a nossa desolação ao conforto da sua Palavra e dos Sacramentos.[3] Tudo isto se permuta em violência que se abate sobre quantos são considerados uma ameaça para as nossas «certezas»: o bebé nascituro, o idoso doente, o hóspede de passagem, o estrangeiro, mas também o próximo que não corresponde às nossas expetativas.
A própria criação é testemunha silenciosa deste resfriamento do amor: a terra está envenenada por resíduos lançados por negligência e por interesses; os mares, também eles poluídos, devem infelizmente guardar os despojos de tantos náufragos das migrações forçadas; os céus – que, nos desígnios de Deus, cantam a sua glória – são sulcados por máquinas que fazem chover instrumentos de morte.
E o amor resfria-se também nas nossas comunidades: na Exortação apostólica Evangelii gaudium procurei descrever os sinais mais evidentes desta falta de amor. São eles a acédia egoísta, o pessimismo estéril, a tentação de se isolar empenhando-se em contínuas guerras fratricidas, a mentalidade mundana que induz a ocupar-se apenas do que dá nas vistas, reduzindo assim o ardor missionário.[4]
Que fazer?
Se porventura detetamos, no nosso íntimo e ao nosso redor, os sinais acabados de descrever, saibamos que, a par do remédio por vezes amargo da verdade, a Igreja, nossa mãe e mestra, nos oferece, neste tempo de Quaresma, o remédio doce da oração, da esmola e do jejum.
Dedicando mais tempo à oração, possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas, com que nos enganamos a nós mesmos,[5] para procurar finalmente a consolação em Deus. Ele é nosso Pai e quer para nós a vida.
A prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão: aquilo que possuo, nunca é só meu. Como gostaria que a esmola se tornasse um verdadeiro estilo de vida para todos! Como gostaria que, como cristãos, seguíssemos o exemplo dos Apóstolos e víssemos, na possibilidade de partilhar com os outros os nossos bens, um testemunho concreto da comunhão que vivemos na Igreja. A este propósito, faço minhas as palavras exortativas de São Paulo aos Coríntios, quando os convidava a tomar parte na coleta para a comunidade de Jerusalém: «Isto é o que vos convém» (2 Cor 8, 10). Isto vale de modo especial na Quaresma, durante a qual muitos organismos recolhem coletas a favor das Igrejas e populações em dificuldade. Mas como gostaria também que no nosso relacionamento diário, perante cada irmão que nos pede ajuda, pensássemos: aqui está um apelo da Providência divina. Cada esmola é uma ocasião de tomar parte na Providência de Deus para com os seus filhos; e, se hoje Ele Se serve de mim para ajudar um irmão, como deixará amanhã de prover também às minhas necessidades, Ele que nunca Se deixa vencer em generosidade?[6]
Por fim, o jejum tira força à nossa violência, desarma-nos, constituindo uma importante ocasião de crescimento. Por um lado, permite-nos experimentar o que sentem quantos não possuem sequer o mínimo necessário, provando dia a dia as mordeduras da fome. Por outro, expressa a condição do nosso espírito, faminto de bondade e sedento da vida de Deus. O jejum desperta-nos, torna-nos mais atentos a Deus e ao próximo, reanima a vontade de obedecer a Deus, o único que sacia a nossa fome.
Gostaria que a minha voz ultrapassasse as fronteiras da Igreja Católica, alcançando a todos vós, homens e mulheres de boa vontade, abertos à escuta de Deus. Se vos aflige, como a nós, a difusão da iniquidade no mundo, se vos preocupa o gelo que paralisa os corações e a ação, se vedes esmorecer o sentido da humanidade comum, uni-vos a nós para invocar juntos a Deus, jejuar juntos e, juntamente connosco, dar o que puderdes para ajudar os irmãos!
O fogo da Páscoa
Convido, sobretudo os membros da Igreja, a empreender com ardor o caminho da Quaresma, apoiados na esmola, no jejum e na oração. Se por vezes parece apagar-se em muitos corações o amor, este não se apaga no coração de Deus! Ele sempre nos dá novas ocasiões, para podermos recomeçar a amar.
Ocasião propícia será, também este ano, a iniciativa «24 horas para o Senhor», que convida a celebrar o sacramento da Reconciliação num contexto de adoração eucarística. Em 2018, aquela terá lugar nos dias 9 e 10 de março – uma sexta-feira e um sábado –, inspirando -se nestas palavras do Salmo 130: «Em Ti, encontramos o perdão» (v. 4). Em cada diocese, pelo menos uma igreja ficará aberta durante 24 horas consecutivas, oferecendo a possibilidade de adoração e da confissão sacramental.
Na noite de Páscoa, reviveremos o sugestivo rito de acender o círio pascal: a luz, tirada do «lume novo», pouco a pouco expulsará a escuridão e iluminará a assembleia litúrgica. «A luz de Cristo, gloriosamente ressuscitado, nos dissipe as trevas do coração e do espírito»,[7] para que todos possamos reviver a experiência dos discípulos de Emaús: ouvir a palavra do Senhor e alimentar-nos do Pão Eucarístico permitirá que o nosso coração volte a inflamar-se de fé, esperança e amor.
Abençoo-vos de coração e rezo por vós. Não vos esqueçais de rezar por mim.
Vaticano, 1 de Novembro de 2017
Solenidade de Todos os Santos


Francisco


[1] Missal Romano, I Domingo da Quaresma, Oração Coleta.
[2] «Imperador do reino em dor tamanho / saía a meio peito ao gelo baço» (Inferno XXXIV, 28-29).
[3] «É curioso, mas muitas vezes temos medo da consolação, medo de ser consolados. Aliás, sentimo-nos mais seguros na tristeza e na desolação. Sabeis porquê? Porque, na tristeza, quase nos sentimos protagonistas; enquanto, na consolação, o protagonista é o Espírito Santo» (Angelus, 7/XII/2014).
[4] Nn. 76-109.
[5] Cf. Bento XVI, Carta enc. Spe salvi, 33.
[6] Cf. Pio XII, Carta enc. Fidei donum, III.
[7] Missal Romano, Vigília Pascal, Lucernário.